quarta-feira, 2 de julho de 2008

Ontem eu perdi uma Amiga de Trabalho...

Enquanto escrevo um corpo está se deslocando para o que chamamos de enterro, Ele (o corpo) será colocado abaixo do solo, já não há mais vida nele para que permaneça entre nós acima da superfície do solo; já não anda, já não fala, já não mais reclama, perdeu sua essência, não lhe resta mais vida.

Desde ontem sei da noticia, Gardênia de Alencar Pamplona Albano não está mais entre nós, os vivos; partiu, seu destino é aquele que também nos está reservado, foi para um éter, ficou nos nossos pensamentos, pois com ela não podemos mais interagir, seja para concordar, discordar, rir, aborrecer, alegrar ou chatear.

Ontem fui me apercebendo da situação aos poucos, tive dificuldade em comunicar o falecimento; lido muito mal com a morte, com o finito, não porque dela tenho medo, a questão é que não a entendo; não consigo entender situação tão terminativa; não é um ir e vir, é somente ir e, a incerteza do para onde se vai, líquida qualquer possibilidade de estabelecimento de manutenção de uma relação de conformidade com o evento..

Definitivamente não gosto dela, não gosto quando ela chega, não gosto do que faz nas pessoas que ficam boquiabertas e espantadas com o finito que há no outro e nelas próprias, não gosto da sensação deste interromper abrupto e permanente que ela nos faz sentir.

Não gosto de enterros, não gosto de avisar falecimentos, é muito dolorido, dói no centro do meu peito, com uma pressão que só termina quando acabo de falar, mas que quando acaba se torna vazia, esvaziada, sem sentido...

Hoje quando chequei no escritório fui verificar o que deveria fazer na mesa de trabalho que ela mantinha conosco; já estava deixando o local, um pouco pelo cansaço, um pouco pelas escolhas que fez, um pouco porque estava se aproximando a sua hora de “nada fazer”, não se sentia mais envolvida com a rotina do dia-a-dia do Fórum, com as exigências dos clientes e das constantes pressões do trabalho.

Mas ainda havia trabalho, vi processos e os separei para devolver aos Cartórios; abri as gavetas dos arquivos e folheei algumas pastas, li seus dizeres, seus pedidos, os clientes que representou em processos antigos, já findos e resolvidos; percebi que sua existência deixa um rastro no mundo e na vida dos outros, suas palavras, seus pensamentos, estão registradas nas Ações que patrocinou, esta é a “marca” que deixa neste mundo – o seu atuar como advogada.

Fui a ela apresentado, nos idos de 1997, por um amigo em comum, estava procurando um lugar para iniciar a trabalhar como advogado era recém formado; aluguei uma vaga na sala onde ela trabalhava, a sala era pequena, meio confusa, mas a recepção foi dela foi muito boa.

Comecei a mudar uma coisa ali, outra ali, jogar fora um bando de coisas velhas (como ela reclamava disto, rsrsr), enfim fui ocupando os espaços, fazendo planos, sonhando com melhorias e aquisições, ela ria e me chamava de “maluco”, mas nunca me interrompia, não acho que acreditava plenamente no que eu dizia, no entanto não dizia que não iria acontecer, geralmente escutava e ria...

E assim nós fomos ficando juntos, cada qual com o seu fazer, utilizando cada qual do seu fazer para tentar melhorar o outro, desta forma ficamos próximos profissionalmente durante longos 11 anos.

Uma das coisas que mais me admirei e estimulou nesta relação, foi a aceitação e, o empenho com que ela tratava da questão LGBT, antes de conhecê-la já tinha várias clientes do segmento, me senti à vontade, tanto para assumir a minha orientação, quanto para atender as demandas dos meus clientes, pois ela era uma aliada.

Tinha um profundo respeito pelos(as) suas(os) clientes LGBTs, era perceptível que ela se envolvia nas demandas que patrocinava, não era um fazer descompromissado, não era uma relação comercial; não fazia apenas por dinheiros, fazia por que entendia que era justo, não apenas atendia, acolhia.

No transcurso de tempo em que passamos juntos, mudamos três vezes, sempre lhe dava a certeza da continuidade e garantia do seu espaço de trabalho; quem é advogado sabe o quanto é difícil manter um relacionamento profissional que resguarde a possibilidade da garantia do espaço de trabalho, notadamente quando se é a parte mais frágil da relação, sem sustos e sobressaltos.

Há alguns meses ela já estava saindo do escritório, aos poucos, com poucos clientes, bem mais ausente, gavetas quase vazias, era mais uma visita, que fazia de tempos em tempos...

Hoje, um dia depois do seu falecimento, tomei conhecimento de que esta relação acabou, me sinto meio entristecido.

Arrumando suas coisas encontrei um texto impresso da Editora Paulinas (poema 2) cujo título é “Pense em Mim”, as palavras são de consolo, dirigidas aos que ficam, escritas na primeira pessoa, no final da mensagem a afirmação “Eu estou em Paz”.

Espero que esteja, e se embora tenha de forma concerta manifestado por tantas vezes o meu agradecimento pelo seu acolhimento, ainda assim não tiver ele sido percebido, deixo aqui gravado o meu Muito Obrigado por ter lhe conhecido, ter podido contigo compartilhar por tantos anos os espaços profissionais, onde discutimos, concordamos, discordamos, enfim vivemos por tantos anos.

De ti guardo a lembrança de seus melhores momentos, esqueço-me daqueles nos quais não esteve bem; sou testemunha de sensações e sentimentos bons que você me proporcionou, se minhas palavras e pensamentos valerem onde se encontra pode usá-las para requerer um local especial para ficar desfrutando dos horizontes sem fim, iluminada por uma luz radiante, plena de tranqüilidade, sem medos, sem vergonhas, sem culpas, em PAZ.

Seu amigo de trabalho.

Como me demoro para chegar até aqui... Quase esqueço do espaço.... Que dificuldade encontro para localizar os caminhos. Penso muito, fal...